A situação atual do rio preocupa a comunidade, que cobra preservação e melhoria da qualidade da água para outros usos
Divisa geográfica entre Samambaia e Ceilândia, o rio Melchior foi enquadrado, em 2014, como um corpo d`água de classe 4; ou seja, suas águas passaram a ser destinadas à navegação, harmonia paisagística e aos usos menos exigentes, como o lançamento de efluentes. A situação atual do rio preocupa a comunidade, tema de audiência pública da Câmara Legislativa realizada na última sexta-feira (14), o assunto seguirá em discussão em grupo técnico intersetorial a ser criado por sugestão do deputado Leandro Grass (Rede), que esteve à frente do debate.
Segundo o distrital, em 2021, houve três rompimentos em adutoras de esgoto da Caesb, que tem duas estações de tratamento naquele rio: a ETE Melchior e a ETE Samambaia. Ainda de acordo com Grass, em 2019, aconteceu vazamento de chorume do aterro sanitário.
“São vários danos e prejuízos que muito nos preocupam. O Melchior tem valor não só ambiental, mas social para a comunidade. É um rio bonito, com corredeiras e cachoeiras ao longo de seus 25km, e poderia ter seu uso potencializado para o lazer e turismo”, defendeu Leandro Grass
Integrante do movimento “Salve o Melchior”, Newton Vieira reclamou da formação de espumas nas águas do rio. “Que mal essa espuma pode fazer para as pessoas? Entrei no rio, e a sensação é de que estava no vaso sanitário. Saí passando mal, com ânsia de vomito”, reclamou. Também do grupo, Alzirenio Carvalho apontou que, do Parque do Cortado (córrego que forma o rio Melchior) até a ETE, o corpo hídrico está com águas cristalinas, mas depois muda. “Não queremos um rio metade preservado, temos que abraçá-lo como um todo. Para mim, o que está havendo é crime ambiental”, disse.
O engenheiro ambiental Carlos Renan Brites, da Caesb, ponderou que o Cortado é um córrego de classe 2 – enquadramento distinto do Melchior, que é de classe 4, bastante permissiva. Sobre as espumas, ele explicou que elas se formam devido à distância que o esgoto tratado percorre, aliada ao desnível topográfico e ao residual de matéria: “É a chamada zona de mistura do efluente no corpo d`água”.
O engenheiro destacou, ainda, que a ETE Melchior está entre as primeiras no Atlas Esgotos, da Agência Nacional de Águas (ANA): “É uma das melhores do Brasil, atendendo aproximadamente 700 mil habitantes e removendo 91% da matéria orgânica”.
Gestão do rio
O professor Ricardo Minotti, presidente do Comitê de Bacia dos Afluentes do Rio Paranaíba no DF, explicou que o DF, por abrigar nascentes, tem rios de pequenas vazões e, por outro lado, assiste ao aumento populacional e, em consequência, ao aumento do lançamento de efluentes. “Muito se fala em escassez quantitativa de água, mas a crise de escassez hídrica qualitativa é pouco comentada”, avaliou.
“Em algum momento, escolheram corpos aquáticos para serem mananciais e outros para serem receptores, que é o caso do Melchior”, continuou Minotti. O presidente do comitê ressaltou o “altíssimo nível” das estações de tratamento de esgoto do DF e pregou ser essencial controlar agora a expansão urbana desordenada e a poluição difusa, além de revitalizar as margens do Melchior. “Estamos pagando hoje o preço do passado. Se não cuidarmos hoje, pagaremos no futuro”, defendeu Minotti, ressaltando a importância da participação da sociedade no processo de gestão dos recursos hídricos.
Foi por decisão coletiva, no Conselho de Recursos Hídricos, que o Melchior foi enquadrado como um corpo d’água de classe 4. De acordo com Elisa Meirelles, da Secretaria de Meio Ambiente do DF, mais de 26 reuniões do colegiado levaram a essa definição. Ela acredita que a classificação pode voltar a ser discutida pelo conselho. “Com avanços, com plano da bacia, essa discussão pode ser retomada”, afirmou, lembrando os esforços feitos para melhorar a qualidade da água do Paranoá.
“O enquadramento não é um diagnóstico da situação do rio, mas é a destinação que lhe é dada. A classe 4 é a mais permissiva. Não é para tomar banho, não pode irrigar”, esclareceu Gustavo Antônio Carneiro, da Superintendência de Recursos Hídricos da Adasa.E prosseguiu: “Isso foi resultado de planejamento e decisão coletiva. Por receber esgotos, ainda que tratados, a carga do rio acaba sendo impactada. Após o ponto de lançamento, o rio recebe influência de toda a área urbana”.
Carneiro explicou que a Adasa não é um órgão executivo: “A Agência observa as regras e faz a gestão dos usos de acordo com o que foi definido”. E apontou que, ao conceder as outorgas para uso das águas do Melchior, são observados diversos limites, de forma a evitar problemas no Descoberto e no Corumbá, que estão a jusante e recebem as águas daquele corpo hídrico.
Superintendente de outro órgão envolvido na gestão dos recursos hídricos, o Ibram, Alisson Neves informou haver quatro lançamentos licenciados no Melchior: as duas ETES, a estação de tratamento do aterro sanitário e o abatedouro da empresa JBS. Também do Ibram, Simone Rosa disse que, desde 2018, foram realizadas mais de 40 ações de fiscalização no rio. Apesar de terem acontecido incidentes envolvendo a Caesb e o aterro, ela acredita que a poluição difusa e fossas e lançamentos clandestinos são o problema. Segundo informou, há 15 autos de infração em acompanhamento.
A situação do Melchior também tem recebido a atenção do Ministério Público e da Delegacia do Meio Ambiente, ambos recebem denúncias da população.