Neste Dia do Orgulho LGBT, empresários falam sobre os desafios da comunidade para abrir negócios e sobre como muitos deles se reinventaram durante a pandemia

 

Hojedia 28 de junho, é o Dia do Orgulho LGBT, que rememora o episódio conhecido como Revolta de Stonewall. Ocorrido em 1969, em Nova York, o movimento tornou-se um símbolo mundial na luta pelos direitos da comunidade. Mais de 50 anos depois, a discussão deixou de ser exclusiva das ruas e pauta assuntos da sociedade civil e de empresas de todos os portes.

 

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Ricardo Gomes, presidente da Câmara de Comércio e Turismo LGBT, explica que a falta de oportunidades no mercado de trabalho acaba levando muitas pessoas LGBT para o empreendedorismo, e que isso se acentuou na pandemia. “Temos um índice grande de desemprego e isso também se reflete na comunidade. Chegaram até nós muitos que foram demitidos, não conseguiram se recolocar e buscaram formas de empreender.”

Os maiores desafios para esse fundadores, na visão de Gomes, são a formalização e profissionalização dos negócios, o que dificulta o contato com grandes empresas – que têm se mostrado mais abertas para cadastrar fornecedores da comunidade. “Uma grande parte nem CNPJ tem, ou então não sabe como se apresentar.”

 

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O projeto foi lançado no último mês de março e já tem 47 empresas cadastradas. A maior parte é de treinamentos, turismo e consultoria de marketing digital. Gomes afirma que cerca de 150 estão na fila, mas como o processo de aprovação é rigoroso, e baseado nas mesmas regras utilizadas pela câmara equivalente nos Estados Unidos, o número de aprovados deve chegar, no máximo, a 100 até o final do ano.

Gomes revela que existe outra iniciativa em curso, em conjunto com o Sebrae, no Rio e em São Paulo, para capacitar, formalizar e fomentar o empreendedorismo entre as pessoas LGBT. Mais informações devem ser divulgadas em breve, mas a expectativa é iniciar os trabalhos já no segundo semestre.

 

Em outubro de 2020, Pedro Henrique Duarte, 28, recebeu R$ 200 de presente de aniversário de um amigo. Mas a regra é que ele não poderia comprar presentes: o valor deveria ser investidor em seu sonho. Formado em gastronomia, Duarte trabalhava em um hotel em Curitiba (PR), setor fortemente afetado pela pandemia.

Na época da faculdade, ele chegou a desenvolver um projeto empreendedor de uma confeitaria com os colegas, todos LGBT, mas apenas ele seguiu carreira no ramo  – com isso, a ideia acabou engavetada.

Com a pandemia, e com o incentivo financeiro do amigo, ele resolveu revisitar o projeto. “O que me inspirou foi poder adoçar a vida das pessoas e estimular a conversa sobre os direitos LGBT de forma mais leve.” Assim, nasceu a Coolors Gastronomia e Eventos, focada em uma confeitaria “colorida e consciente”. Cada produto é enviado com mensagens informativas sobre questões de identidade de gênero e orientação sexual. “No começo eu tive dificuldade com familiares. Eles diziam: ‘Tem certeza de que quer deixar isso tão claro no seu negócio?’, e eu respondia que sim, porque é quem eu sou, a minha essência.”

Recentemente, um post realizado por uma blogueira local acabou viralizando na região e fez Duarte perceber as dores e delícias do empreendedorismo. A publicação mostrava alguns biscoitos amanteigados com uma indicação política. O número de críticas foi alto, mas o de pedidos também. “Estou levando como um crescimento pessoal e profissional. Daqui para a frente, sei que não terei só clientes que elogiam. Vou receber críticas, reclamações e cobranças também. Não é fácil, mas não é impossível.”

Hoje, 95% dos clientes de Duarte vêm das redes sociais, e o atendimento varia entre Instagram WhatsApp Business. “Futuramente eu pretendo ir para um ateliê, porque a demanda aumentou bastante. Quero colocar em aplicativos de comida para aumentar o tíquete médio, e um dia ter minha própria cafeteria.”

Orgulho LGBT: “Somos a essência da nossa marca”

Roberta Lins, 32, é formada em administração; Paula Melo, 35, é personal trainer. O casal sempre sonhou em empreender, mas nunca havia pensado no mercado de joias. Hoje, são donas da marca Maria João Acessórios. “A ideia surgiu de maneira despretensiosa, enquanto buscávamos no mercado produtos mais criativos e diferentes e não encontramos”, explica Lins.

 

Paula Melo e Roberta Lins, fundadoras da Maria João Acessórios (Foto: Divulgação)
 

Elas começaram ainda em 2019, vendendo em salas de ginástica, nos banheiros das academias, para familiares e no trabalho. “Depois demos início aos eventos e foi onde conseguimos trabalhar e fortalecer nossa posição enquanto marca.” Com o tempo, trouxeram uma rede de apoio na fabricação.

No início de 2020 elas estavam animadas e planejaram coleções para os seis primeiros meses do ano. Mas precisaram adiar os planos com o início da pandemia. No entanto, mesmo abaladas, decidiram apostar mais alto e investiram em uma loja física. “Nosso investimento já traz resultados para 2021, pois em seis meses faturamos mais que o dobro da receita de 2020.”

Lins diz que a Maria João não trabalha com gêneros: os produtos podem ser comprados e utilizados por qualquer pessoa. “Por ser um casal de mulheres, muitas vezes sofremos preconceito, mas buscamos sempre nos posicionar e não toleramos desrespeito. Somos a essência da nossa marca e sermos um casal faz parte na nossa essência.”

 

Charles Borges, fundador do Coletivo Abebé.co (Foto: Divulgação)

 

Ele empreendeu para apoiar outros empreendedores

Charles Borges, 28, é formado em administração de empresas e trabalha desde os 13 anos. Ele ajudava a mãe com pequenos empreendimentos, como venda de marmitas, e chegou a trabalhar em grandes bancos e empresas na vida adulta.

Em uma dessas empresas, ele teve contato com conteúdo sobre empreendedorismo e se interessou pela possibilidade ter o próprio negócio. A inspiração para a criação do Coletivo Abebé.co veio da bisavó indígena, Izabel Martinha Borges, falecida em 2021, e da vontade de entender suas origens. “Eu sou ‘afroindígena’, ou seja, minha família paterna é de ascendência negra de Minas Gerais, e minha família materna tem ascendência indígena, oriunda de Santo Amaro, na Bahia.”

O Coletivo nasceu em 2017, no Grajaú, periferia de São Paulo e, foi acelerado pelo programa Afrohub, ligado à Feira Preta, e pelo VAITEC – Adesampa. A proposta é ser uma startup que apoia negócios iniciais, com mentoria para micro e nanos empreendedores, workshops e criação de eventos culturais. O trabalho de marketing digital o ajudou a ganhar escala no Facebook para chegar a ainda mais pessoas.

Ele conta que hoje conseguiu ressignificar essa desconfiança e usá-la para mostrar o quanto as empresas perdem por não investir em diversidade. Também durante a pandemia, o empreendedor desenvolveu um novo nicho de negócio: Abebé.skin Saboaria e Cosméticos Naturais. “Ter a oportunidade de estudar, iniciar processos de melhoria, pesquisa, treinamento e desenvolvimento pessoal fez com que os idealizadores do coletivo, para complementar a renda, voltassem a empreender em um novo negócio.”

 

Fernanda Custódio e Guttervil Santos, sócios da Translúdica (Foto: Divulgação)

 

Loja colaborativa trans foi para internet – e um novo negócio nasceu

A atriz e tecnóloga em estética Fernanda Kawani Custódio, 30, fundou a Translúdica, uma loja colaborativa feita e pensada por pessoas trans, em 2018. “Eu sempre tive um sonho de ter um negócio, mas nunca imaginei que fosse possível. A Translúdica surgiu primeiramente da necessidade de empregabilidade para pessoas trans”, explica.

A empresa foi aberta em uma galeria na rua Augusta, em São Paulo, com o intuito de vender produtos produzidos por pessoas transexuais. Durante a pandemia, o negócio acabou fechando as portas e migrando para um e-commerce. Mas só isso não foi o bastante para manter o faturamento.

Custódio diz que os desafios da pandemia também a inspiraram a investir em um outro segmento: alimentação. Ela precisou aprender a cozinhar para complementar a renda. “Com isso, surgiu a Trava Chef, que é uma cozinha intuitiva, com venda de marmitas e salgados.”

A empreendedora recebeu a oferta de um food truck para iniciar as vendas em São Paulo e pretende combinar as duas causas: a trans e a vegana. Para colocar o projeto de pé no próximo mês de setembro, no entanto, ela está em busca de sócios investidores.

Donuts ganharam força na pandemia

A ideia para o Donuts Damari surgiu em 2016, quando a publicitária Carol Vascen, 25, se encantou com a criatividade da marca britânica Vicky’s Donuts e convenceu a namorada, Mari Pavesca, 25, que já cozinhava,  a montar uma confeitaria em casa e vender donuts pela internet em São Paulo. Depois de testar e adequar o produto ao paladar brasileiro, as duas montaram uma estratégia digital, sem loja física. Os resultados foram acima do esperado já no primeiro ano de operação e, entre 2017 e 2019, o negócio teve um crescimento de 100%.

 

Carol Vascen e Mari Pavesca, sócias do Donuts Damari (Foto: Divulgação)

 

A divulgação começou no Facebook e hoje se concentra no Instagram, que responde por 90% dos clientes. Já o Stories é usado para mostrar os bastidores da produção e divulgar as novidades. Com o crescimento orgânico no número de pedidos, o volume de produção e o faturamento aumentaram em 20% durante a pandemia.

A empresa dobrou o número de funcionários (hoje são dez) e o delivery teve de ser turbinado, com ampliação do raio de atendimento e da frota de entregadores. Em julho de 2020, com a necessidade de atender à crescente demanda de empresas, ficou decidido que a produção caseira estava com os dias contados.

A solução foi transferir as operações para uma fábrica, dobrando a capacidade de produção. Com a nova estrutura, o faturamento de 2021 até agora já supera o de todo o ano de 2020. “Estamos em estudos para abrir nossa loja física, o que é um pedido antigo dos clientes”, afirma Vascen.

 

As vendas da loja de roupas Logay caíram 60% só na primeira semana após a declaração de pandemia do novo coronavírus, no dia 11 de março.  “Logo que começaram a anunciar as medidas de isolamento social, sentimos uma diferença muito grande e começamos a contatar nosso público por redes sociais e por mailing. Mesmo assim, o patamar de vendas voltou para o do início do negócio, há três anos”, diz Henrique Chirichella, fundador da Logay. De fato, o nicho de moda é um dos mais atingidos pela crise, de acordo com a FecomercioSP.