Márcia Mortari encontrou substância em veneno de marimbondo brasileiro com potencial farmacológico para tratar o câncer de mama


A professora de biologia Márcia Mortari, da Universidade de Brasília (UnB), sempre pesquisou como a natureza pode ser fonte de remédios contra doenças. Após a cientista virar paciente devido a um tumor na mama, as substâncias e as moléculas com potencial contra o câncer passaram a ser seu principal foco de interesse.

“Tive câncer de mama há cinco anos e, desde então, as pesquisas em busca de remédios ganharam um novo significado. Trabalho para encontrar novos meios de combater o câncer, como se fosse uma pequena vingança contra essa doença”, afirma a professora.

Nessa nova fase, a cientista e sua equipe descobriram que o veneno da espécie de marimbondo Chartergellus communis tem propriedades antitumorais. Em laboratório, foi possível verificar que a substância produzida pelo inseto é capaz de matar células de câncer de mama e de melanoma, o tipo mais agressivo de tumor de pele.

Márcia Mortari (acervo pessoal)

Apesar de endêmica no Brasil, a espécie de marimbondo não havia sido estudada anteriormente e, destrinchar as mais de 200 substâncias presentes no veneno foi um desafio. “Escolhemos esse inseto porque outros semelhantes tinham apresentado propriedades antitumorais”, conta.

“O marimbondo tem um veneno que é um coquetel de compostos, com várias funções. Serve para proteger o ninho, para paralisar presas, para atacar. Já tinha trabalhado com os venenos de vespa e li pesquisas que encontraram compostos antitumorais em venenos de abelha, então achei que poderíamos encontrar ali uma resposta também”, resume a professora.

A proteína chartergellus-CP1 encontrada no veneno conseguiu destruir as células tumorais de dois subtipos: o HR+ e o triplo negativo, que é um dos de mais difíceis de serem tratados.

A pesquisa in vitro teve os primeiros resultados publicados na revista Toxicology em 2022 e, desde então, a equipe de Mortari vem testando como aproveitar a chartergellus-CP1 em uma medicação. “Estamos em contato com farmacêuticas para fazer rodadas de testes. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas, espero que no futuro existam múltiplas formas de tratamento e com poucos efeitos colaterais”, afirma Mortari.

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), há vários tipos de câncer de mama. Alguns têm desenvolvimento rápido, enquanto outros crescem lentamente. A maioria dos casos, quando tratados cedo, apresentam bom prognóstico. Não há uma causa específica para a doença. Contudo, fatores ambientais, genéticos, hormonais e comportamentais podem aumentar o risco de desenvolvimento da enfermidade. Além disso, o risco aumenta com a idade, sendo comum em pessoas com mais de 50 anos.

Apesar de haver chances reais de cura se diagnosticado precocemente, o câncer de mama é desafiador. Muitas vezes, leva a força, os cabelos, os seios, a autoestima e, em alguns casos, a vida. Segundo o Inca, a enfermidade é responsável pelo maior número de óbitos por câncer na população feminina brasileira.

Os principais sinais da doença são o aparecimento de caroços ou nódulos endurecidos e geralmente indolores. Além desses, alteração na característica da pele ou do bico dos seios, saída espontânea de líquido de um dos mamilos, nódulos no pescoço ou na região das axilas e pele da mama vermelha ou parecida com casca de laranja são outros sintomas.

O famoso autoexame é extremamente importante na identificação precoce da doença. No entanto, para fazê-lo corretamente é importante realizar a avaliação em três momentos diferentes: em frente ao espelho, em pé e deitada.

Uso também no melanoma

Além de ter funcionado contra as células do câncer de mama, o veneno do marimbondo também se mostrou efetivo contra as células de um melanoma humano em testes de laboratório. A pesquisa que detalhou essa segunda possibilidade foi publicada em janeiro deste ano na revista Biochimie.

A professora também está envolvida em pesquisas para tornar o tamoxifeno, mais tolerável às pacientes que precisam recorrer a ele. O remédio age bloqueando hormônios, mas seus efeitos adversos, como fogachos, queda de cabelo e dores musculares, levam muitas mulheres a desistirem do tratamento. “Ganhei uma nova oportunidade de vida após o meu tratamento, isso me motiva a tentar ajudar mulheres que enfrentam essa doença”, afirma a professora da UnB.