O 8º Festival Internacional de Cinema de Brasíliia (BIFF) terá, além da parte competitiva, duas mostras, uma para o público jovem e uma oficina de Tik Tok gratuita
O 8º Festival Internacional de Cinema de Brasília (BIFF) bateu recorde de inscrições em relação às edições mais recentes. Com o retorno ao presencial e a retomada do setor cultural, filmes que estavam represados por conta do fechamento de salas e suspensão de festivais em consequência da pandemia buscam agora público e espaço. No total, mais de 3 mil produções se inscreveram para passar pela seleção.
“Foram muitos filmes finalizados em 2021 e 2022, mostrando que a pandemia fez com que muita gente conseguisse finalizar, porque tinha muito filme finalizado”, explica Anna Karina, idealizadora do BIFF. “Atendendo critério do festival foram mais de 800 filmes. Acho que, em relação aos anos anteriores, foi uns 60 a 70% a mais. E num curto espaço de tempo.”
Com um total de 10 filmes, a Mostra Competitiva traz histórias de três continentes que exploram desde as realidades locais, como CorPolítica, sobre candidatos LGBTQIA nas eleições municipais de 2020, até dramas existenciais, como o japonês Yamakubi, no qual uma adolescente protesta em silêncio, e o holandês Pink moon, mergulha na decisão de um idoso de dar cabo à própria vida. A pandemia aparece no filipino Broken blossoms, que reflete sobre relações claustrofóbicas e casamento, e fatos ainda em curso da história contemporânea estão no russo The case, sobre uma advogada russa que luta para libertar um ativista condenado injustamente.
Para Anna Karina, a seleção traz uma certa “maturidade emocional” que ela arrisca atribuir à pandemia. “Temos pouca relação amorosa e questões mais reflexivas e bem pontuais em termos da política que o mundo está enfrentando, o negacionismo… Há uma inquietude, parece que os roteiros não estão tão ligados a fórmulas. Até o cinema japonês, que podia ter mais fantasia, terror, vem na esteira de um certo vazio político”, avalia. “Acho que a pandemia veio muito trazendo um certo confinamento interior que gerou também profundidade.”
Além da mostra competitiva, a programação também inclui BIFF Júnior Competitiva, com filmes inéditos destinados ao público jovem, e o Mosaico Brasil — O novo cinema brasileiro, um olhar para a produção nacional que trouxe algumas surpresas, como um longa feito em libras e Desconectados (Pedro Ladeira, Paulo Saldaña e Ana Graziela Aguiar), sobre o impacto do fechamento das escolas durante a pandemia.
Nessa mostra entra também Meu tio José (Ducca Rios), animação com Wagner Moura e Tonico Pereira que conta a história de um ativista de esquerda que participou do sequestro do embaixador americano durante a ditadura. A mostra traz ainda o documentário Abdzé wede’o, o vírus tem cura?, de Divino Tserewahú, sobre o luto, a perda e o impacto da pandemia na aldeia indígena de Sangradouro.
Uma homenagem a Agnès Varda com exibição de quatro filmes, uma mostra de curtas LGBTQIA e de cinema latino-americano feito por mulheres também integram o festival que, este ano, abre as portas para o Tik Tok com uma oficina gratuita realizada por membros da Academia de Tik Tokers. “Em vez de ter de cara uma mostra competitiva, a gente trouxe a academia de tik tokers, que surgiu durante a pandemia, vende conteúdo e tem público de 12 a 100 anos”, explica Anna Karina. “A partir dessa oficina com storytelling e roteiro, a gente espera que, no ano que vem, possamos ter uma mostra competitiva.”
As oficinas têm entrada franca e vão ocorrer no Sesc Garagem e no Sesc do Setor Comercial Sul.
Em 2020, quando o mundo fechou as portas e bilhões de pessoas se isolaram para fugir de um vírus que se espalhava rapidamente, o diretor Pedro Henrique França se deparou com um dado que exigia movimento e ação. Ele trabalhava remotamente quando leu uma matéria sobre o recorde de candidatos LGBTQIA nas eleições municipais daquele ano. “Fiquei muito instigado e surpreso com esse dado porque, para mim, nasceu dali uma pergunta: o que está acontecendo, por que esse despertar de corpos políticos? E num momento de incerteza de como seria a eleição e sob um governo declaradamente lgbtfóbico”, lembra.
Ao conversar com o ator Marcos Pigossi, de quem é amigo, o cineasta chegou à conclusão de que ali havia material para investigação e para um filme. A motivação primeira do filme e o argumento que está o tempo em pauta e nas falas dos entrevistados é questão da representatividade. “A ideia era debater a importância desse voto e por que somos tão pouco representados”, conta Pigossi.
Com produção de Pedro Henrique e de Pigossi, CorPolítica, que estreia no Brasil durante o BIFF, na segunda-feira, às 19h, na Mostra Competitiva, começou a tomar forma. Com pouco dinheiro, uma pandemia no meio do caminho e muitas dúvidas, o cineasta foi para a rua acompanhar as campanhas de quatro candidates. “A seleção desses personagens, para mim, tinha que dar conta, pelo menos, das letras LGBT”, explica Pedro Henrique. Entraram então para o roteiro a trans Erika Hilton (Psol) e o homossexual William de Lucca (PT), candidatos a vereadores em São Paulo, e a bissexual Andrea Bak (Psol) e a lésbica Mônica Benício (Psol), ambas concorrendo ao cargo de vereadoras pelo Rio de Janeiro.
Dessas, apenas Erika Hilton e Mônica Benício, viúva da vereadora Marielle Franco (Psol), assassinada em 2018, se elegeram. No entanto, elas não são as únicas personagens do documentário, estruturado de forma tradicional, com entrevistas que envolvem as famílias e sequências que acompanham os candidatos em campanha. “Eu nunca quis falar sobre aquela campanha em si, sobre aquele processo eleitoral em si. Queria, a partir daquele momento, entender por que somos tão poucos. Enquanto homem gay falando, nunca tive um representante gay”, explica o diretor, que incluiu em CorPolítica entrevistas com Thammy Miranda (PL) e Fernando “Holiday” (Novo), ambos vereadores por São Paulo e de partidos que representam a direita brasileira.
Entender a importância da diversidade e da representatividade, vazia ou eficaz, foi um dos objetivos de Pedro Henrique. “Temos uma discussão no filme que fala sobre isso. Temos uma captura, por parte da direita, de pautas identitárias no sentido de trazer essas pessoas para uma composição que é alegórica e não eficaz. Essas pessoas não estão fazendo de seus mandatos espaços políticos para legislar sobre nossos corpos. nenhuma lei de proteção LGBTQIA foi derivada de algum debate do campo legislativo, todas as leis que temos hoje são fruto de decisão do Supremo por omissão do congresso. É um ciclo tão autoexplicativo sobre nosso lugar e nossa ausência”, constata o diretor.