Com apoio e orientação da Emater, produtores rurais do Distrito Federal investem na produção de favos da planta, cujo quilo pode passar de 1.200 dólares


O doce aroma da baunilha, essência presente na gastronomia, perfumaria e diversos outros setores, pode ser extraído de mais perto do que os brasilienses imaginam. No Distrito Federal, uma plantação da especiaria enche a Chácara Raziel, localizada no Núcleo Rural Tororó, no Jardim Botânico.

A dona da propriedade, Anajulia Heringer Salles, cultiva baunilha há quatro anos. Ela sempre trabalhou com orquídeas por ser uma paixão de família, o que garantiu a tranquilidade em lidar com a planta que dá origem à baunilha (Vanilla planifolia), que é uma espécie de orquídea.

“Sempre trabalhei formando coleções e guardando genoplasma em instituições públicas. Quando eu me aposentei, resolvi procurar a Emater para que eles pudessem me orientar como eu poderia trabalhar com a baunilha agronomicamente e comercialmente. Aí a Emater veio, viu que a propriedade era passível de fazer o cultivo e me orienta até hoje”, explica a produtora.

A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF) presta um serviço de apoio aos produtores rurais, dando cursos de capacitação na área rural e orientações de manejo e cultivo durante as visitas nas propriedades.

O extensionista da Emater que acompanha o trabalho de Anajulia é o técnico Carlos Moraes. De acordo com ele, o manejo de baunilha exige alguns cuidados e garante alta rentabilidade aos produtores. “A baunilha é uma planta que se ajusta facilmente ao manejo da agricultura familiar. Como é uma planta que precisa ser polinizada flor por flor, requer muita mão de obra. É relativamente simples polinizar, mas tem que ter cuidado. A flor é um elemento delicado, se não tiver cuidado pode perder todo o trabalho de gerar um fruto que vai ter um valor comercial agregado muito alto”, pondera Moraes.

Quilo em dólar

Extensionista da Emater Carlos Moraes: “Brasília é um grande mercado consumidor. São mais de 50 sorveterias tops de linha, mais de dez mil estabelecimentos que trabalham com comida e bebida que podem ser nossos clientes no consumo de baunilha, além de confeitarias, hotéis, embaixadas e outras instituições”

Segundo o especialista, a baunilha é o segundo condimento mais bem valorizado do mundo, atrás apenas do açafrão. A Vanilla demora cerca de três anos para florescer a primeira vez, depois leva de um ano a nove meses para maturar um fruto e, em seguida, se espera mais dois ou três meses para o fruto ser preparado e colocado no comércio. Hoje o quilo de baunilha custa entre mil e 1.200 dólares (próximo a R$ 6 mil).

A baunilha do Cerrado pode chegar a produzir, no primeiro ano, meio quilo de fruto – podendo dobrar e triplicar na medida que a planta vai ficando mais adaptada. Já as Vanillas baianas e ponifolias produzem 300 gramas no primeiro ano de produção, mas chegam a 2 kg por planta no auge da produção.

Em Brasília há pouco mais de 20 produtores dessa especiaria, próximos de criar a primeira associação de produtores de baunilha da região centro oeste, que seria a segunda associação nacional de produtores de baunilha do país.

“Brasília é um grande mercado consumidor. São mais de 50 sorveterias tops de linha, mais de dez mil estabelecimentos que trabalham com comida e bebida que podem ser nossos clientes no consumo de baunilha, além de confeitarias, hotéis, embaixadas e outras instituições”, detalha Moraes.

As espécies do gênero Vanilla são as únicas orquídeas cultivadas com o objetivo de aromatizar alimentos, todas as outras possuem interesse apenas ornamental. Além de seu uso como aromatizante de chocolates, sorvetes, doces e algumas bebidas, a essência de baunilha também é usada em cremes, sabonetes e perfumes.

Nativas das florestas do México e da América Central, as espécies espalharam-se pelo mundo quando o último líder asteca presenteou os espanhóis com as sementes secas de Vanilla planifolia. Desde então, a essência começou a ser extraída e tornou-se conhecida mundialmente. Estima-se que o consumo anual de baunilha no mundo chegue a 5,5 milhões de toneladas.

Do pé à mesa: como surge a baunilha

Cada variedade possui um biotipo específico e um aroma diferente. No total, Anajulia possui cerca de dez espécies de Vanilla, em maior quantidade as mais encontradas no Cerrado. Entre as produtivas, ela tem a Vanilla planifolia, Vanilla chamissonis, Vanilla bahiana, Vanilla tahitiensis, Vanilla columbiana, Vanilla feanta, Vanilla grandiflora, Vanilla pompona e Vanilla cribiana.

“Conseguimos sempre com o apoio da Emater, sempre plantas compradas, com o conhecimento da origem. A gente não sai por aí coletando, às vezes as pessoas coletam e não sabem cultivar, então vão coletar e matar a planta. Então é melhor aprender e fazer um trabalho consciente”, destaca Anajulia.

A produtora, que é referência no Distrito Federal no cultivo da especiaria, ensinou o passo a passo da produção da baunilha, uma das poucas orquídeas trepadeiras (epífita). É uma planta de meia sombra, que gosta de água, mas se adapta muito no Cerrado. Pode ser encontrada tanto na beira do córrego quanto em áreas de pedreira.

O primeiro passo é o plantio de mudas, onde as gemas da planta são cultivadas com estacas na altura do ombro do produtor, para viabilizar a polinização manual. É importante ter o crescimento conduzido para uma altura que se possa manejá-la.


A dona da propriedade, Anajulia Heringer Salles, diz: Conseguimos sempre com o apoio da Emater, sempre plantas compradas, com o conhecimento da origem. A gente não sai por aí coletando, às vezes as pessoas coletam e não sabem cultivar, então vão coletar e matar a planta. Então é melhor aprender e fazer um trabalho consciente”

Após colhido, o fruto precisa passar por um processo de fermentação, chamado de “cura”, para que se torne a baunilha conhecida no mercado. O fruto colhido entra em um banho quente (68ºC) por cerca de três minutos, tempo que varia de acordo com o tamanho do exemplar. Depois eles são retirados e realocados dentro de uma caixa de isopor, para manter o calor durante 48 horas. O objetivo é “matar” o amadurecimento do fruto.

“Se a gente compra um fruto de vez e deixa fora da geladeira, o que acontece? Ele continua amadurecendo. Com a baunilha é a mesma coisa, só que nós não queremos isso. Nós queremos parar o amadurecimento dela para que possa começar esse processo de fermentação, que vai durar mais ou menos dois, três meses, dependendo muito do tamanho do fruto”, explica Anajulia.

Feita essa etapa, as favas são postas em um banho de sol no horário mais quente do dia, uma etapa que os produtores chamam de “suar”. Quando elas esquentam, são embrulhadas em um pano ou num plástico para manter a temperatura, ao guardá-las à noite, para que percam a umidade.

São cerca de 15 dias fazendo isso. Esse suor vai fazer com que os favos comecem a ficar mais pretos e comecem a entrar em um processo de fermentação. O objetivo é perder 70% de umidade para que ela chegue no ponto certo.

A partir daqui, as favas começam a ficar em repouso na sombra. “Nesse período você massageia todo dia e vai fazendo com que ela vá soltando, lá dentro, as propriedades que ela tem. Chegando mais ou menos numa umidade de 30%, ela tem que estar brilhosa, enrolar no seu dedo, ser maleável, ter uma cor compatível para que ela tenha valor de mercado”, informa a produtora.

A origem da baunilha é um composto químico chamado vanilina, o qual vem grudado como açúcar na planta, na forma de gluco-vanilina. Então, para que o aroma da baunilha seja ressaltado dentro do fruto, é necessário desgrudar a glicose da vanilina. Isso é feito durante essa etapa, onde se massageia para ajudar nesse processo.

Após essa última fase, a especiaria é embrulhada e colocada em caixas, geralmente amarradas por uma cordinha e embrulhadas em um papel. Fechada hermeticamente por 40 dias, as caixas são abertas periodicamente para ver se não há fungos e se está tudo certo para a distribuição. A partir daí elas estão prontas para ir à mesa.

Os produtores com interesse em cultivar a especiaria podem, a qualquer momento, procurar o escritório mais próximo da Emater, entre os 15 espalhados no DF, com profissionais habilitados para dar a assistência necessária.