A mediadora do encontro, deputada Arlete Sampaio (PT), defendeu a implantação das residências terapêuticas, entre outros equipamentos alternativos para assegurar o atendimento digno aos usuários


 

Viabilizar residências terapêuticas e moradia assistida para os usuários dos serviços de saúde mental do DF foi o principal ponto defendido pelos participantes de audiência pública da Frente Parlamentar em Defesa da Saúde Mental da Câmara Legislativa, na manhã desta quinta-feira (27). O evento remoto, realizado em parceria com Movimento Pró-saúde Mental do DF, foi transmitido ao vivo pela TV Web CLDF e portal da Casa no Youtube.

Ao contextualizar o problema, a representante do Movimento Pró-saúde Mental do DF, Andressa Ferrari, citou a lei federal 10.216/2001, que trata sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, considerada o marco regulatório da reforma psiquiátrica. Segundo ela, o principal objetivo deste marco foi promover a “desinstitucionalização ou internações repetidas dos usuários” por meio da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e dos serviços nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Para concretizar este objetivo, “o dispositivo das residências terapêuticas são instrumentos fundamentais”, embora inexistentes no DF, afirmou. Ferrari narrou que vários usuários estão morando em hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas, locais classificados como “espaços asilares, onde as pessoas são privadas de sua liberdade”, o que contraria a legislação. “Precisamos viabilizar o funcionamento das residências terapêuticas, entre outros dispositivos de moradia assistida aos usuários”, argumentou, ao fazer firme defesa da perspectiva antimanicomial.

 

A mediadora do encontro, deputada Arlete Sampaio (PT), defendeu a implantação das residências terapêuticas, entre outros equipamentos alternativos para assegurar o atendimento digno aos usuários

 

Na mesma linha, a presidente do Conselho Regional de Serviço Social do DF e também integrante do movimento, Karina Figueiredo, destacou que neste mês se comemora a luta antimanicomial. “Nós, que atuamos na ponta, vivemos cotidianamente os desafios de materializar a reforma psiquiátrica”, afirmou Figueiredo, que trabalha no CAPS de Ceilândia. “Ao não garantirmos a moradia assistida, na perspectiva da reforma e da legislação, estamos violando inúmeros direitos”, completou.
Endossou esse posicionamento o coordenador do Fórum de Pessoas em Situação do DF, Cleidson Oliveira, que criticou a atual condução da saúde mental no DF, pela ausência de equipamentos de moradia assistida e pela não construção de novos CAPS.

 

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Barbacena e São Paulo

Como o DF ainda não possui esses equipamentos, o evento de hoje, conforme explicou Arlete, reuniu experiências de outros municípios, onde se adotam as residências terapêuticas, a exemplo de Barbacena (MG) e São Paulo.

A coordenadora das Residências Terapêuticas de Barbacena (MG), Leandra Melo Vidal, lembrou que, historicamente, Barbacena foi considerada a “cidade dos loucos, com maior número de leitos da América Latina”.

Nesse ambiente, ela ressaltou a importância da mudança de paradigmas propiciada pela reforma psiquiátrica naquele município, que migrou do modelo asilar para a atenção psicossocial e hoje tem 27 residências terapêuticas com 182 moradores, além do processo de “desishospitalização” de mais de cem pacientes de hospitais psiquiátricos.Vidal descreveu a situação de mortos-vivos desses pacientes; alguns, inclusive, moravam em hospital psiquiátrico há mais de cinquenta anos. Para retratar o ambiente do antigo hospital-colônia, foram exibidas imagens do documentário “Em nome da razão”, que denunciou os maus-tratos em Barbacena. 

Ela narrou as mudanças positivas na vida das pessoas após a “desishospitalização e a retomada da humanidade”, com a nova rotina nas residências terapêuticas e o protagonismo no próprio território. “A experiência é muito rica”, concluiu.

Por sua vez, a supervisora de Serviço de Residência Terapêutica de São Paulo, Camila Ferreira Freire, relatou que o município conta com 69 residências terapêuticas e 622 moradores, dentre os quais alguns com história de internação superior a três décadas.

 

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De modo similar à experiência de Barbacena, Freire descreveu os medos e traumas herdados, e as transformações nas histórias de vida após a saída de instituições de internação e hospitais psiquiátricos. Tanto Vidal quanto Freire ainda responderam aos questionamentos encaminhados pelos participantes da audiência sobre o dia a dia nessas residências. Após os relatos, a deputada Arlete Sampaio reforçou a concretude das experiências. “É possível fazer com que as pessoas retomem o domínio de suas vidas e implementar aquilo que a reforma psiquiátrica prevê”, inferiu. 

Ao considerar “tocante e emocionante” os relatos sobre os serviços de residências terapêuticas de Barbacena e São Paulo, o promotor Clayton da Silva Germano, da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (PROSUS) do Ministério Público do DF, reforçou que os trabalhos de reinserção apresentados dão “esperança”, mostrando que é possível implementar esses serviços.

Nesse sentido, ele informou que o MP ajuizou uma ação civil pública para que o Judiciário determinasse à Secretaria de Saúde do DF a implementação de 25 residências terapêuticas e 19 CAPS no DF. Em 2018, foi ajuizada uma ação de cumprimento, e desde então a decisão tem sido negociada, sendo que ficou acordado que sete residências devam ser implantadas. O edital com este fim deve ser publicado em breve, acredita.

Priorizar a pauta das residências terapêuticas é desafiador nesse momento de pandemia, na avaliação da diretora da Divisão de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do DF (SES), Vanessa Soublin Vasconcelos. Ela acrescentou que em virtude do aumento da demanda e pela gravidade dos casos, a diretoria vai propor dez residências terapêuticas, além de outros dispositivos.

Direitos Humanos

Na abordagem dos direitos dos usuários dos serviços de saúde mental do DF, o defensor Ronan Ferreira Figueiredo, do Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Distrito Federal, considerou que é necessária muita articulação junto a atores do poder público e da sociedade civil para encontrar alternativas ao “desmantelamento da RAPS, dentro do alinhamento da perspectiva antimanicomial”.

A necessidade de articulação foi ratificada pela diretora de Serviço de Acolhimento da Secretaria de Desenvolvimento Social do DF (SDS), Daura Carolina de Campos, que reafirmou o compromisso do atual governo de dar o melhor atendimento às pessoas que estão em sofrimento mental. Ao final do encontro, ficou decidida a criação de um grupo de trabalho a fim de agilizar a implementação das residências, bem como visitar as experiências exitosas relatadas.