Primeiro senador declaradamente homossexual, Fabiano chegou ao parlamento empenhado em reflorestar o caminho para a população LGBTQIA+
Um dos posts no Instagram do senador Fabiano Contarato, eleito pelo Espírito Santo com 1.117.036 votos, com a legenda Rede Sustentabilidade, é um desejo de bom domingo com um trecho de uma música de Djavan: “Só eu sei os desertos que atravessei”. Uma frase-canção emblemática para a causa que representa.
Primeiro senador declaradamente homossexual, Fabiano chegou ao parlamento empenhado em reflorestar o caminho para a população LGBTQIA+. Sua presença no Senado, de certa forma, reduz a solidão de quem atravessa o deserto perigoso do preconceito.
Na semana passada, em um discurso histórico na CPI da Covid, o senador Fabiano respondeu a um ataque homofóbico do empresário bolsonarista Otávio Fakhoury. Foram 10 minutos de resposta de alto nível, em pleno depoimento do empresário, lembrando que homofobia é crime e exigindo um pedido de desculpas.
“Tenho um anteparo institucional que me protege e permite atuar de forma livre e desimpedida. Ainda maior é minha responsabilidade de atuar em defesa da população que represento. Por isso, assumi os riscos dessa exposição”.
Fabiano Contarato também reforça a histórica omissão do Congresso com as causas da população LGBTQIA+, lembrando que todas as conquistas até aqui vieram do Judiciário, e defende políticas estruturadas. “Não existe uma bala de prata para acabar com preconceitos. São necessárias políticas estruturadas nas áreas da educação, saúde, economia e segurança. O Brasil precisa começar a reverter séculos de políticas estruturais machistas, racistas, LGBTfóbicas, e esse processo deve começar já”, diz.
Sobre o comportamento do presidente Jair Bolsonaro, Contarato é claro: “O comportamento do presidente da República, se ele não ocupasse este cargo, já seria, em si, altamente reprovável. Não se trata de piadas: são ofensas, condutas homofóbicas e transfóbicas, tipificadas pelo Supremo Tribunal Federal”.
Em relação à CPI, o senador acredita que já existem provas suficientes de crimes de prevaricação, charlatanismo, corrupção passiva e ativa de agentes públicos e privados e até de crime de homicídio, no caso da Prevent Senior. Nesta entrevista, Fabiano Contarato critica, ainda, a política econômica liderada por Paulo Guedes e o descaso do governo com a educação e a ciência, especialmente em relação ao corte de recursos para as bolsas de pós-graduação.
A sua reação à frase homofóbica postada em rede social pelo depoente da CPI, o empresário Otávio Fakhoury, foi histórica e quebrou tabus. Usar o lugar de fala, apesar dos riscos, é essencial e libertador? Sua atitude corajosa, ao se expor numa sessão, teve qual intenção? O seu exemplo ajudará outras pessoas a adotarem a mesma postura?
Reconheço os meus privilégios e sei que, como Senador da República, tenho um anteparo institucional que me protege e permite atuar de forma livre e desimpedida. Ainda maior é minha responsabilidade de atuar em defesa da população que represento. Por isso, assumi os riscos dessa exposição. Espero que esse exemplo inspire outras pessoas, mas não podemos colocar esta responsabilidade em indivíduos que muitas vezes se encontram em posição de vulnerabilidade social e econômica. Principalmente, eu espero que esse episódio sirva de exemplo para que as pessoas superem seus preconceitos.
A relação homoafetiva no Brasil ainda é vista como um tabu, envolto em preconceitos.
Quais ações podem ser sugeridas no Legislativo para combater esse tipo de violência?
Na verdade, todos os direitos conquistados pela comunidade LGBTQIA+ foram garantidos pelo Poder Judiciário. O Poder Legislativo foi e continua a ser omisso em sua missão constitucional de combater as desigualdades. Por isso, propomos uma série de projetos de lei para melhorar as condições de vida de pessoas LGBTQIA+, como uma proposta que pretende garantir a gratuidade da retificação do nome de pessoas trans no Registro Civil e um projeto que busca garantir a segurança de LGBTQIA+ encarcerados.
Como explicar a prática de tanto preconceito no Brasil? O que fazer contra a discriminação ainda existente na sociedade brasileira?
A sociedade brasileira é marcada pelo preconceito sistêmico não só contra LGBTQIA+, mas também contra mulheres, negros, idosos, indígenas, pessoas com deficiência… Esse preconceito é fruto de uma longa história de discriminação que tem origens diversas na formação do Brasil, mas as mesmas consequências: aumenta a desigualdade social e econômica, atrasa o desenvolvimento nacional e retarda a busca por igualdade e justiça.
O senhor vem de um estado, uma região, com arraigado conservadorismo. Como foi enfrentar a sociedade local?
Minha vida sempre foi um livro aberto. Quando eu tive a honra de ser escolhido pelo povo capixaba como seu representante no Senado, os eleitores sabiam que eu era gay. Então, apesar desse conservadorismo, fizeram uma escolha inédita na história desse país. E, se fui o primeiro senador homossexual do Brasil, isso quer dizer que esse conservadorismo perpassa todo o país. Mas tenho muita fé — e trabalho para isso — de que serei apenas o primeiro de muitos.
O senhor já foi vítima de preconceito e discriminação dentro e fora do Parlamento outras vezes e durante a sua atuação como delegado? Como reagiu?
O preconceito afeta todos nós de formas diferentes. Tenho a sorte de ter uma família que me apoia e me encoraja a enfrentá-lo com humildade, mas altivez. Homofobia é crime e deve ser tratado como tal. Não são piadas, brincadeiras ou gracinhas. Por isso, quando sou vítima de homofobia ou testemunho a sua prática contra outrem, encaminho as notícias e provas para a apuração da polícia e do Ministério Público. O sistema judicial vai ensinar quem não aprendeu em casa o respeito e o amor ao próximo.
Seus adversários políticos ainda o criticam e o hostilizam por sua
orientação sexual? Qual a resposta que o senhor dá a eles?
A minha resposta a qualquer manifestação de preconceito, seja de adversários políticos, seja de pessoas anônimas nas redes sociais, é intensificar meu trabalho em defesa da comunidade LGBTQIA+. A cada ofensa e ameaça que recebo me sinto mais motivado para lutar contra a homofobia e a transfobia. Afinal, se eu, como senador da República, sou alvo desse tipo de violência, o que passam pessoas transgêneros e travestis pobres, por exemplo?
O presidente da República tem, reiteradas vezes, feito piadas contra homossexuais. Qual a sua avaliação desse comportamento?
O comportamento do presidente da República, se ele não ocupasse este cargo, já seria, em si, altamente reprovável. Não se trata de piadas: são ofensas, condutas homofóbicas e transfóbicas, tipificadas pelo Supremo Tribunal Federal. Ocupando o cargo mais alto da República, suas condutas se reverberam pela sociedade e encorajam os piores sentimentos e ações.Agravam um quadro já preocupante: o Brasil é o país que mais mata LGBTQIA+. Por isso, precisamos nos posicionar publicamente sempre para mostrar o quão inaceitáveis estas condutas são.
Quais políticas públicas seriam necessárias para erradicar esse preconceito no Brasil?
Não existe uma bala de prata para acabar com preconceitos. São necessárias políticas estruturadas nas áreas da educação, saúde, economia e segurança. O Brasil precisa começar a reverter séculos de políticas estruturais machistas, racistas, LGBTfóbicas, e esse processo deve começar já.
Campanhas a favor de armas não seriam um risco para a segurança pública?
Acredito que armar a população é um erro, é o reconhecimento da falha estatal no dever de prover segurança a todos os cidadãos. Não se pode delegar tarefa tão importante — e perigosa — ao cidadão comum. As armas que entram legalmente em circulação acabam nas mãos de grupos ilícitos, representando risco à coletividade.
O Legislativo terá um grande protagonismo no Brasil pós-pandemia. Quais seriam essas prioridades? Mais recursos para a saúde e leis mais rígidas contra o mau uso do dinheiro público?
Infelizmente, o Legislativo estará pautado pelo programa econômico do Paulo Guedes, que não diminui desigualdades e coloca nos mais pobres e nos servidores públicos o ônus de arcar com a alta inflação, a escassez energética e o alto índice de desemprego. Recursos para saúde e combate à corrupção não são prioridades do governo Bolsonaro.
Qual a materialidade de corrupção nas apurações da CPI até agora?
Há farta materialidade documental e testemunhal dos diversos crimes apurados pela CPI. As negociações ilícitas no contrato da Covaxin, com participação de agentes públicos e privados, e a atuação do chamado gabinete paralelo na disseminação da imunidade de rebanho têm evidências em documentos obtidos pela CPI. A omissão do governo federal na compra de vacinas, devidamente registrada em e-mail de representantes da Pfizer ao governo; a contrariedade às medidas não farmacológicas, como uso de máscaras e não aglomeração; além da difusão de medicamentos ineficazes para combate à doença estão evidenciadas até mesmo em pronunciamentos públicos do presidente da República. A CPI prestou um serviço fundamental à população brasileira, e, certamente, aqueles responsáveis pelo agravamento da pandemia serão sancionados na medida de sua culpabilidade.
Quais devem ser as novas frentes de apuração da CPI? O foco deveria ser em cima de crimes em investigação ou novas denúncias?
Tendo em vista o curto período até o encerramento dos trabalhos, a CPI deve focar em finalizar as linhas de investigação já em andamento, acredito que especialmente no caso da Prevent Senior, além daquelas apurações já realizadas.
O governo e o presidente são responsáveis pelas práticas de quais crimes?
A CPI já apurou evidências de práticas de diversos crimes, que serão devidamente relatados pelo senador Renan Calheiros. A título de exemplo, a difusão do tratamento precoce é crime de charlatanismo por parte de pessoa sem formação em saúde (art. 283, do Código Penal); na disseminação da imunidade de rebanho, crime hediondo de “epidemia”, na forma qualificada (art. 267, § 1º, do CP); e na atuação do gabinete paralelo, se praticado ato privativo de agente público por particular não investido de tal prerrogativa, poderá se vislumbrar a usurpação de função pública (art. 328, CP). Além disso, a demora na compra de vacinas, sobretudo da Pfizer, é prevaricação (art. 318, CP). Há indícios, ainda, de corrupções passiva e ativa (art. 317 e 333 do CP, respectivamente) no caso da negociação de compra de vacinas da Covaxin e pela Davati. Investigou-se, também, casos de homicídio qualificado por causa que dificulte a defesa da vítima (art. 121) na investigação da Prevent Senior.
Sua atuação na CPI deu visibilidade ao seu mandato. Quais são seus planos para 2022?
Meu mandato no Senado vai até 2026. Ainda estou em diálogo com lideranças partidárias progressistas para definir de que maneira posso contribuir nas eleições de 2022.
A união em torno de um projeto suprapartidário, para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos, é possível?
Creio que derrotar o antigoverno que atualmente ocupa o Poder Executivo Federal é tarefa fundamental nesse sentido. Esse caminho naturalmente será construído no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, uma vez que os partidos constroem projetos próprios e legítimos no processo eleitoral.
O sistema de C&T no Brasil, no que diz respeito a inovações e registro de patentes, tem na pós-graduação o seu nascedouro de talentos. Sendo assim, qual a sua posição no momento em que, segundo a própria SBPC, a suspensão do processo de avaliação da Capes coloca o futuro da pós-graduação em cheque?
Um sistema de avaliação transparente e regular é essencial para uma produção de pesquisa de qualidade. Portanto, são importantes a continuidade e a estabilidade dos trabalhos avaliativos, principalmente porque a avaliação define, ainda, a quantidade de bolsas que o programa receberá do governo federal. Ao se limitar, suspender ou adiar o processo de avaliação da Capes, além dos prejuízos na produção de conhecimento científico, há consequências diretas nos incentivos governamentais para a pesquisa.
Cabe à Presidência da Capes, de acordo com seu Estatuto, designar os membros do Conselho Técnico Científico da Educação Básica, conselho de extrema importância que tem, inclusive, representação no Conselho Superior. Como o senhor avalia o impacto da não recomposição deste conselho? Traz prejuízos? Pode indicar falta de interesse para com a educação básica?
Penso que todas as ações que possam atrasar, adiar ou anular o desenvolvimento dos trabalhos da Capes, assim como dos demais órgãos de pesquisa e educação, podem, sim, ser um indicativo do descaso e do desrespeito do governo com a educação brasileira.
Em que pese o CTC seja recomposto novamente pelos mesmos membros, há ainda um risco de que decisões negativas sobre pedidos de abertura de cursos de pós-graduação sejam revistas pela Presidente da Capes. Penso que seja necessário que a Presidente da Capes garanta que as decisões tomadas pelo CTC-ES desde 2018 sejam respeitadas, sob pena de causar insegurança à comunidade científica.
Como aprofundar a investigação sobre interesses particulares que subjazem, de fato, à judicialização do processo de avaliação da pós-graduação?
A participação da comunidade acadêmica, e da sociedade como um todo, no acompanhamento e na fiscalização das ações do governo é fundamental para garantir que as decisões tomadas sigam os princípios da impessoalidade e da moralidade. Além disso, o Ministério Público desempenha um papel importante na fiscalização deste processo. Precisamos garantir que este governo, que já demonstrou descaso pelas universidades públicas em reiteradas oportunidades, não complete o desmonte dos programas de pós-graduação no país. E o sistema de avaliação é fundamental para mantê-los produtivos e guiados pela excelência.