Pandemia deixou setor em uma crise econômica que dura quase um semestre. Representantes acreditam que é o momento de refletir sobre novos modelos de negócio e explorar mais o roteiro cultural e de lazer que o DF oferece
Brasília carrega na história o fato de receber pessoas de todo o país e ser palco de movimentações e decisões nacionais, com o setor de turismo envolvido diretamente nessa circulação. Porém, a pandemia do novo coronavírus leva empresários e trabalhadores de diferentes áreas a enfrentar quase um semestre com baixíssima atividade turística, desde aquela voltada para negócios até aquela com foco em cultura e lazer.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por exemplo, estima que o segmento no Brasil perdeu R$ 90 bilhões em três meses. No Distrito Federal, linhas de crédito e parcerias foram pensadas para minimizar os danos. Além de calcular o prejuízo, integrantes do setor também se organizam para uma reinvenção para o próximo ano.
“Observamos um cenário otimista para 2021, mas 2020 acabou. É um ano perdido para nós. Temos os meses até dezembro, no entanto, sem esperança de retorno”. Essa é a avaliação de Reinaldo Ferreira, presidente da Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo (Abare). Reinaldo acredita que este é um cenário em que o empresariado pouco pode fazer para mudar a difícil situação econômica do ano, mas que é a hora de parar e repensar como a capital do país enxerga o turismo. “Temos que nos adaptar ao novo momento. Estamos parados, mas temos que ir nos preparando para o retorno e aprendendo a trabalhar de uma forma diferente. Parece que a cidade se acomodou só com o turismo corporativo, mas é hora de olhar também para nossa riqueza arquitetônica, nossa história cívica e nossa cultura”, pontua Reinaldo.
A fotógrafa Vitória Oliveira, 20 anos, saiu de São Paulo e desembarcou no Aeroporto de Brasília, na última sexta-feira, para visitar a amiga Ana Luiza Carneiro, 23, em Taguatinga. Essa é a primeira vez que a jovem visita a capital da República e ficará na cidade até dia 31 desse mês. Desde o dia que chegou, ela visitou a Esplanada dos Ministérios, a Ponte JK, a Catedral e a Feira da Torre. “Estou maravilhada com a cidade. A impressão que tenho é de que, aqui, a região é bem organizada e setorizada, mas sinto que está um pouco vazia. Como sou fotógrafa, estou registrando tudo para guardar os momentos”, afirma.
Quem trabalha no setor vive o pior momento histórico dos últimos anos. Jorge Damasceno, 60 anos, é empresário e atua há décadas no turismo. Ele conta que nunca havia presenciado uma crise tão intensa. “Lembro que tivemos um impacto muito grande na época da mudança da moeda para o real, mas nem isso chega aos pés do momento de hoje. São cinco meses em que tudo está parado. Ninguém previa algo assim”, diz. No entanto, Jorge vê um futuro melhor. “Creio que as pessoas vão ter que buscar Brasília por soluções no período pós-pandemia. Segmento médico, financeiro, agronegócio, industrial e outros terão uma demanda muito grande para pensar nos novos cenários.
Múltiplos empregos
O tamanho da crise aumenta quando analisados os empregos gerados pelo turismo, como exemplifica Jorge. “Na minha área, de eventos corporativos, temos simpósios, seminários e eventos semelhantes em que a gente consegue envolver muitos segmentos. Temos o trabalho de pessoas para tradução, recepção, guia, transporte, hotelaria, gastronomia. Ou seja, são vários trabalhadores envolvidos. Hoje, a perda dessas pessoas é muito grande. E nós temos famílias, filhos”, lembra. O empresário explica que o setor de hotéis elaborou uma série de protocolos de segurança sanitária para cumprir as determinações do governo local e ir além das recomendações, garantindo maior sensação de conforto. Contudo, seminários que aconteciam com 400 participantes antes da pandemia devem contar com metade do público após este período.
Os gastos, entretanto, continuam altos, apesar da quase inatividade, de acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Distrito Federal (Abih), Henrique Severien. “Pode haver a impressão de que se não temos hóspedes, não temos consumo. Mas, o local continua funcionando com demanda mínima, e ela representa um custo muito relevante. Um hotel de 300 apartamentos não vai deixar de pagar R$ 25 mil de energia, mesmo que não tenha hóspede. Sem contar as várias manutenções obrigatórias por lei, como a de combate a incêndio, que custam muito”, detalha. Henrique cita que há grandes grupos de hotéis no DF que deixaram até quatro unidades sem nenhuma operação nestes meses.
Na avaliação de Henrique, os caminhos para diminuir a crise passam por incentivos de minimização de custos. “Agora, não há que se falar em captação de negócios, a cadeia produtiva não tem possibilidade de adotar postura proativa comercialmente, porque o isolamento social é a palavra de ordem. Mas, existem inúmeras medidas para minimizar os danos, como a expansão de programas criados para manutenção de postos de trabalhos, revisão de taxas, de ônus, de folha salarial, de ICMS e de custos, como fornecimento de água e luz”, explica. Para o futuro, Henrique pensa em alternativas de modelos de negócio, no DF. “Nossa hospedagem está muito ligada ao corporativo, não às férias, por exemplo. Então, a média de hospedagem não é de sete dias, como em outras capitais, varia entre dois e três dias. Esse é um cenário crítico, mas poderíamos ter um pouco mais de criatividade para encontrar caminhos”, afirma.
Roteiro virtual
Para ampliar a divulgação de espaços históricos, culturais, religiosos e de lazer no DF, a Secretaria de Turismo (Setur) lançou um projeto de visitações guiadas on-line durante a pandemia. Neste mês, começou roteiro Agosto de Dom Bosco, que homenageia o padre de mesmo nome e promove tours virtuais por centros de diferentes religiões na capital. As programações podem ser conferidas nas redes sociais da Setur. Vídeos dos últimos passeios guiados pelo Parque da Cidade, Congresso Nacional e outros,
estão disponíveis no YouTube da pasta.
Três perguntas para:
Vanessa Mendonça, secretária de Turismo do DF
Como a Secretaria de Turismo enxerga o período da pandemia e o que vem sendo feito para minimizar os danos?
Desde o início, a gente começou um trabalho de articulação pelo Conselho de Desenvolvimento do Turismo, com entidades do setor, criando um movimento juntos por Brasília e pelo turismo, com ações concretas que foram lançadas para enfrentar esse período difícil. Posso citar a parceria com o Banco de Brasília (BRB), por exemplo, com contratos para que setores tivessem acesso às linhas de crédito, desde o grande empresário até o pequeno que atua com artesanato. Mobilizamos, também, os trabalhadores para que eles pudessem entender essa linha de crédito, com produtos em plataformas digitais para pensar no momento de forma inovadora. Esse é o segmento que mais gera emprego no mundo, então dialogamos com diversos setores, como bares, restaurantes e hotéis, e lançamos protocolos de seguranças, para que Brasília seja percebida como um destino seguro.
O programa de Hotelaria Solidária é fruto desses diálogos?
Esse é um projeto que foi conversado e pensado para beneficiar todos. Atendemos a profissionais da saúde e da segurança pública nos hotéis e aquecemos esse setor hoteleiro, que passa por um momento difícil, mas que pôde voltar a operar com equipes, recebendo essas pessoas. Foi uma parceria que alcançou resultados muito positivos para todos os segmentos. Tanto que o Programa Acolher foi renovado por mais 45 dias e vamos continuar recebendo profissionais do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) até 16 de agosto. Estamos muito felizes por isso.
Pensando no futuro, o que pode ser feito neste momento para que tenhamos uma boa recuperação econômica no pós-pandemia?
Estamos criando rotas em que nós vamos atrair a população, estimular a conhecer cada vez mais a nossa cidade, sob aspecto da história, observando monumentos. Fizemos a rota pedalando com Athos, em que a pessoa pode passear de bicicleta por Brasília e conferir obras de Athos Bulcão. Está disponível nas nossas plataformas digitais a live tour, na qual mostramos os pontos turísticos virtualmente com um guia de turismo, para que a gente estimule as visitas atraindo esse olhar, mesmo a distância. Isso gera um resultado muito positivo e é muito importante, porque, no ano passado, tivemos 41% de aumento de visita de turismo de estrangeiros, 130% de aumento de voos para cá. Ou seja, desde o início da gestão, nós temos feito ações de comunicação e promoção para mostrar que somos muito mais do que as pessoas pensam, mais do que somente política. Somos patrimônio cultural.